segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A Lixomania e o surgimento do punk no Brasil



A Lixomania é uma banda lendária do punk rock brasileiro, pois foi uma das pioneiras do movimento no país, ao lado de Olho Seco, Cólera e Inocentes, entre outras.

A formação da banda
A Lixomania foi formada em 1979, no bairro do Lauzane - zona norte da cidade de São Paulo (SP) -, pelos amigos Adauto (baixo), Tikinho (guitarra e vocal) e Zú (bateria). Depois entrou Alê, que assumiu os vocais. Todos gostavam de Sex Pistols, Ramones, The Clash, Stiff Little Fingers, UK Subs, Dead Boys, Sham 69, Lurkers e muitas outras bandas.

As primeiras apresentações
Em 1980, com alguns ensaios e apenas três músicas no repertório, a Lixomania fez a sua primeira apresentação num encontro inédito de bandas punks, realizado a portas fechadas (sem público) em Santo Amaro, na zona sul da cidade.
No decorrer de 1980 e 1981, a banda seguiu apresentando-se em locais distantes da periferia de São Paulo. Nenhum clube ou danceteria da cidade abria espaço para shows punk. Em meio a muitas dificuldades, a Lixomania acabou conquistando o apoio da emergente platéia punk e destacando-se como uma das principais bandas punks do Brasil.

Contribuições para o movimento punk
Além da música e da atitude, um de seus grandes méritos é o de ter ajudado a desbravar o caminho para o surgimento de uma cena punk no país, que ainda vivia sob a censura e as leis impostas pelo regime militar do general Figueiredo. Nessa época, a imprensa e a mídia brasileira ainda não haviam descoberto o punk. Isso só veio a acontecer em 1982, refletindo o renascimento do movimento no exterior, com Exploited, Discharge, Dead Kennedys, Black Flag, etc.

O lançamento do primeiro disco
O ano de 1982 foi muito importante para a Lixomania. Com a saída de Alê, Moreno (um antigo simpatizante da banda) assumiu os vocais, enquanto Miro (ex-Guerrilha Urbana) substituiu Zú na bateria. É com essa nova formação que a Lixomania gravou o EP “Violência e Sobrevivência”, lançado em setembro de 1982 pelo selo independente Punk Rock Discos, de São Paulo, sob direção e produção de Carlos Marçal Bueno, cunhado de Betão, amigo e simpatizante da banda.

Hoje, esse EP contendo 6 músicas (Violência e Sobrevivência, Massacre Inocente, O Punk Rock Não Morreu, Zé Ninguém, Fugitivo e Os Punks Também Amam) é disputado por colecionadores de discos punks em razão de seu pioneirismo: foi o primeiro disco de uma banda punk lançado no Brasil, precedido apenas pela coletânea “Grito Suburbano”, que reunia 3 bandas de SP.
A capa do EP foi feita a partir de uma colagem de manchetes de jornais que retratavam a violência e criminalidade no país. O trabalho de arte é creditado ao escritor Antonio Bivar (autor do livro “O que é Punk”), Fernando Santa Rosa e Lixomania. Os temas das músicas são a violência (“Violência e Sobrevivência” e “Massacre Inocente”), as injustiças sociais (“Zé Ninguém” e “Fugitivo”) e o próprio movimento punk (“O Punk Rock Não Morreu” e “Os Punks Também Amam”).

O apogeu da banda
Com o disco debaixo do braço, a Lixomania pôs o pé na estrada, fazendo shows em cidades do interior de SP. Ainda em 1982, participou do festival “O Começo do Fim do Mundo”, realizado no Sesc Pompéia, em São Paulo, e teve uma de suas músicas (“Punk”) incluída no disco resultante do festival. Com a repercussão do evento – considerado o mais importante da história do punk nacional - , a Lixomania foi convidada a tocar fora de SP, realizando várias apresentações no Rio de Janeiro (que incluiu um show no Circo Voador, com abertura do Paralamas do Sucesso e do Kid Abelha & As Abóboras Selvagens!) e um show no estádio de Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais, assistido por milhares de pessoas.

O início da crise e o fim da Lixomania
O problema é que a Lixomania e a maioria das bandas punks remavam contra a maré. No momento, toda a atenção das grandes gravadoras, rádios, revistas, jornais e TVs estava voltada para os novos artistas de estilo pop/rock (Blitz, Lulu Santos, Kid Abelha, Léo Jaime, Ritchie, Gang 90, Lobão, etc). Não bastasse a hostilidade da mídia em geral, os punks ainda tinham de lidar com a falta de equipamentos e espaços para shows, a repressão policial e as brigas constantes entre gangues. Uma das últimas apresentações da Lixomania nessa época, ocorrida no programa Fábrica do Som, da TV Cultura, mais uma vez culminou em confronto entre gangues rivais. Assim, em março de 1983, a Lixomania resolveu encerrar suas atividades.

A herança da Lixomania e do punk paulista
A exemplo da Lixomania, várias bandas punk desapareceram (algumas sem deixar qualquer vestígio de registro sonoro) e outras continuaram restritas ao circuito “underground”. O novo cenário musical passou a ser dominado pelos ícones do chamado BRock (Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Titãs, Capital Inicial, Ultraje a Rigor, etc). No entanto, a Lixomania e as bandas punks de SP já haviam deixado a sua mensagem. Pelo menos com relação às letras, pode-se perceber ecos do inconformismo e irreverência punk em músicas de sucesso como “Inútil” (Ultraje a Rigor), “Polícia” (Titãs), “Que País É Este?” (Legião Urbana), “Veraneio Vascaína” (Capital Inicial) e “Até Quando Esperar” (Plebe Rude), entre outras. Sem falar em bandas como Camisa de Vênus e Replicantes, claramente inspiradas no punk.

Lixomaníacos buscam novos rumos
Mas, afinal, o que aconteceu com o pessoal da Lixomania? Com o fim da banda, Miro formou o 365 e, em meio à explosão do novo rock nacional, atingiu um público mais amplo com o single “São Paulo”, executado em rádios FM. Num primeiro momento, Tikinho e Adá participaram do 365, mas depois deixaram a banda.

Entre 1994 e 1996, Adá voltou a tocar com amigos da zona norte, integrando as bandas de garagem Sidflex, Sobreviventes e Outsiders. Depois disso, reuniu-se novamente com Tikinho e Miro, incluindo Muniz (ex-Fogo Cruzado). A idéia era reativar a Lixomania, mas não deu certo. Tikinho saiu logo no ínicio; Muniz assumiu a guitarra e os vocais e, junto com Adá e Miro, formou um novo Fogo Cruzado. Em 1997, a banda lançou um CD que inclui a música “Presidente”, da Lixomania. Adá deixou o grupo antes mesmo do lançamento do disco e Miro, logo depois.

O retorno da Lixomania

Em outubro de 2002, a Lixomania voltou finalmente à ativa com sua formação clássica (Moreno, Tikinho, Adá e Miro) como convidada especial do festival “O Fim do Mundo – 20 Anos de Cultura Punk”, realizado no Tendal da Lapa, na zona oeste de São Paulo. A banda foi a única a fazer duas apresentações no festival, que reuniu, durante uma semana, mais de 60 bandas de todo o Brasil.
 
À partir dessas apresentações e do incentivo dos fãs, a Lixomania voltou a ensaiar regularmente e, em 2003, fez um show no Hangar 110, em SP, na tradicional Festa do Ratinho, matando a saudade de muitos fãs que compareceram ao evento. A banda apresentou 19 músicas (algumas delas inéditas) que fazem parte de um novo CD da Lixomania.

A gravadora Speed State Records, do Japão, também lançou em CD e vinil uma edição especial com o EP da banda (de 1982) + material inédito, como parte de um projeto que visa agrupar gravações das principais bandas punks do mundo.



CURIOSIDADES SOBRE A BANDA
· Segundo Tikinho, a idéia do nome “Lixomania” surgiu a partir dos comentários da vizinhança da casa onde a banda realizava os seus primeiros ensaios. Todos os vizinhos diziam que o som era uma sujeira, um verdadeiro lixo, como se os membros da banda tivessem mania de lixo. Inicialmente, eles cogitaram adotar o nome “Mania de Lixo” mas, após mais discussões, surgiu o nome definitivo da banda, “Lixomania”.
· Na contracapa do EP de 1982, há uma foto da banda deitada com uma muleta em cima. A muleta era de Adá que, antes da gravação, sofreu um acidente e ficou sete meses com a perna engessada. Nesse estado, gravou o EP e fez suas primeiras apresentações no Rio de Janeiro.
· Durante show dos Ramones no Brasil, Tikinho encontrou-se com Joey Ramone no camarim e este revelou possuir o EP da Lixomania e disse que, em sua opinião, o disco era “do caralho”.
· Em conversa com Miro, o produtor musical Paulinho Marquetti admitiu que o Legião Urbana e outras bandas de Brasília foram muito influenciadas pelo punk paulistano do início dos anos 80.
· Moreno saiu da banda logo após o lançamento do EP, indo para o Psykoze, outra banda punk. Em seu lugar, Alê reassumiu os vocais e apresentou-se com a Lixomania durante 1982 e 1983. Outra curiosidade sobre Moreno: embora não seja ator, ele participou do último capítulo da novela “Eu Prometo”, da TV Globo, como um dos punks amigos da filha do personagem central da novela.
· Durante apresentação no Morro da Urca (RJ), vários punks paulistas chegaram a escalar o Morro para não pagar a entrada do show e, depois, ficaram hospedados na casa de um ilustre simpatizante do movimento, Ronald Biggs – o famoso assaltante do trem pagador inglês -, que morava nas redondezas.
· Após algumas apresentações no RJ, a Lixomania foi convidada para uma reunião com o diretor da gravadora RCA no Brasil, que propôs lançar o disco da banda. O contrato já estava pronto e previa que a gravadora poderia, por exemplo, acrescentar teclados e saxofone em algumas canções (!!), entre outras coisas. Fiel ao espírito punk, o contrato foi prontamente rejeitado pela Lixomania.
· Embora a autoria das letras e músicas de todas as canções seja creditada à própria Lixomania, sabe-se que várias das letras foram originalmente escritas por Zé (José Edmundo Sanches), irmão de Zú, primeiro baterista da banda.
· Eis os verdadeiros nomes dos integrantes da Lixomania: Mauro Bento de Oliveira (Moreno), Edson Lopes (Tikinho), Adauto de Andrade (Adá) e Valdomiro Santino de Melo (Miro).
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NOTA FINAL: Esse texto foi escrito por Edson Luís Rosa, baterista, sociólogo e ex-pesquisador da Folha de S.Paulo, a pedido da própria banda, da qual ele é simpatizante antigo. As informações aqui contidas foram fornecidas diretamente pelos integrantes da Lixomania. (São Paulo, 12 de janeiro de 2004)

Todos os direitos autorais sobre esse texto são reservados à Lixomania.


P.S.: Eis a formação atual da Lixomania: Moreno (vocal), Miro (bateria e vocais), Ari (guitarra) e Júnior (baixo). Há um DVD com o show da banda no Circo Voador (RJ), em 1982. Integrantes da banda também aparecem no DVD "Botinada - A origem do punk no Brasil". Em 19 de setembro de 2008, a banda apresentou-se no Hangar 110, em São Paulo.



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